terça-feira, janeiro 23, 2007

As pancadas secas contra a parede repetem-se incessantemente. Não consigo dormir. O ruído mantém-me desperto. Ouço gemidos. Difíceis de confundir, os teus e os dele. Noites quentes, noites gélidas, no nosso quarto, noutros alheios, outras vezes lá fora, estacionamentos, caves, na relva... o mundo era nosso. Ousei sonhar que éramos maiores que tudo, que todos. Na busca de um mundo melhor. Eu, tu e ele. Eu, tu e ela. Parecia eterno. Nós e os nossos sentidos, tantas vezes engrandecidos por alterações de estado, sempre na procura de novos picos. Adorava olhar-te enquanto inspiravas o fumo. Gostava de sentir o perfume dos teus seios. A tua face com a barba por fazer que desafiava as feições efeminadas fazia-me fluir o sangue. Que aconteceu? Onde nos perdemos? Ou será que fui só eu? Afinal resto apenas eu... Estão a menos de um metro de mim, mas não estou aqui. O começo... lembro-me... a música vibrava-me pelo corpo apagando a realidade. Havia imensa gente, mas não via ninguém. Ela beijou-te e depois virou-se para mim. Beijou-me também. Puxou-te novamente para ela enquanto se colocava entre nós. Os seus movimentos pediam que a envolvêssemos. A proximidade levou ao toque dos nossos lábios que se desejavam. Ela gostou. A música continuou e nós também. Nada interessava. O suor era dos três, a pele não se distinguia, mesmo com diferentes tons. A roupa subia e descia numa provocação constante. Nesse dia fomos interrompidos, mas não teve importância; foi apenas o princípio. A partir dali a mudança não tinha regresso. Vivíamos numa adrenalina constante. Daí derive a ressaca. Vocês continuam. Eu fiquei apenas com as memórias, a única coisa que me faz viver. Por isso mantenho-me aqui. Fecho os olhos desejando que continuem toda a noite. Deixo-me ir e vejo-vos novamente junto a mim. Só aqui me sinto bem.

sábado, janeiro 20, 2007

Smoke
On the mirror
You talk
As it flows above the
Smoke
Calling me
Free from the ice
Living the walk
Smoke
Filling the empty inside
Creating holes
In my veins there’s
Smoke
My friend of old
The cries live
For no tomorrow calls
Smoke
And mirrors there’s
Smoke
And mirrors there’s
Smoke
And mirrors there’s
Smoke

segunda-feira, janeiro 15, 2007

Meti-me numa jangada. Remei durante um tempo interminável até ter como visão única a água. Porque não quero ver ninguém? Porque não posso ouvir ninguém? Porque me sinto incapaz de tocar alguém? Anda para trás. O mar levanta-se. A jangada balouça. Seguro o pequeno cofre junto a mim. Estou novamente nos teus braços. Apaga. Segue mais um pouco. As tuas palavras deambulam por mim. Apaga. Que está a acontecer? O sal dissolvido cai-me na boca. Desliga. Onde estás? As estrelas não param. Sinto-me enjoado. Aperto o cofre com mais força. Sinto-o rasgar-me a pele. O calor do teu ventre liberta-se em mim. Apaga. Outra vez. Quase lá. Vem comigo. Não te quero deixar. O cheiro do teu corpo enche-me a alma. Apaga. Ainda por aqui? Recusa-te, por favor. Sorris para mim fazendo-me esquecer a minha mortalidade. Apaga. Quem és tu que ficaste? Pouso o cofre na jangada. Abro-o. As cinzas de quem não me recordo espalham-se com o vento. Levanto-me e olho-as uma última vez. Saboreio a tua língua, os teus lábios, os teus fluidos. Apaga. Não resta nada. Deixo-me cair na água, com cinzas em meu redor, e sou absorvido pela paz dos sons distantes e calmos deste submundo aquático.

sábado, janeiro 13, 2007

Horas e mais horas passam, o branco é a única coisa que vejo, que sinto, que ouço. Tudo é branco, tudo está branco. Dezenas de pontos brancos observam-me sobre este fundo branco pálido. Batas brancas cercam-me sem que a fuga seja possível. Comprimidos nos mais diversos tons de branco organizam-se em fila para me alimentar. Deslocam-se num chão branco arrastando pó da mesma cor. Fazem festa por cada um que desaparece. Nada mais querem do que ser parte de mim. Tudo fica nublado os tons mudam suavemente para cinzento. Como é agradável essa apatia. Esboço um sorriso. Fatos cinza observam-me sabendo que nada lhes pode acontecer. Sentem-se satisfeitos pela sua aparente segurança. Peças de metal cravam-se-me no crânio. Os bloqueios são absolutamente necessários, não podem permitir a reprodução das visões. A ordem tem de ser mantida. A minha cabeça está repousada sobre o colo de um deles que me segura numa atitude de piedade. Tudo se passa em câmara lenta. Olho para o meu braço, uma seringa desliza até lá e penetra-me a carne. Injecta-me cinzento. Apago-me para voltar a abrir os olhos, mas não controlo nada. O mundo passa-me ao lado. Sou apenas mais um. Morri.

terça-feira, janeiro 09, 2007

Ouves o que se passa no horizonte? O zumbido constante que te chama? Diz-me que não sou só eu... Pára um pouco e sente esta suave vibração do mundo em teu redor. O que está estático e no entanto liberta cor e som. Não sentes o apelo? Como é intenso. Está já aqui. A parede branca que fala continuamente sobre tudo e nada. Não me digas se sou só eu. A cadeira que se agita com uma impossível sensação de liberdade. O banco que declama poemas de amor e ódio como nunca ninguém fez. Eles estão todos aqui. Lá fora o alcatrão dança de alegria com o passar dos carros. Por favor, diz-me que não sou só eu. Discos de luz rodeiam-me. Andam por todo o lado transmitindo nada mais que paz. Mas tudo está de passagem. Afinal era mesmo algo meu... Nada dura neste espaço tempo solitário e misantropo.

quinta-feira, janeiro 04, 2007

O cheiro a maresia invade-me. O vento afaga-me o cabelo, com uma violência própria desta terra. Uma aspereza que sempre me ensinou, por vezes mais do que queria. Os carros acumulam-se atrás de mim. À minha frente o rio quer separar os espaços que sempre viveram unidos em mim. Os moinhos de maré assentam em terrenos esquecidos pelo betão... O betão que torna a paisagem caótica, mas atraente. Nas pessoas não se vêm padrões constantes. A dona de casa, que passeia o cão pela rua em roupão e chinelos, não quer saber o que eu penso e nem imaginas a alegria que isso me dá. As vivências no caos abrem-nos a mente sem que o queiramos. Por mais que odeie este sítio, por mais que o tente abandonar ele ficou para sempre comigo. Quando tenho saudades desse mundo à parte olho para mim, porque ele esculpiu o que sou.