As pancadas secas contra a parede repetem-se incessantemente. Não consigo dormir. O ruído mantém-me desperto. Ouço gemidos. Difíceis de confundir, os teus e os dele. Noites quentes, noites gélidas, no nosso quarto, noutros alheios, outras vezes lá fora, estacionamentos, caves, na relva... o mundo era nosso. Ousei sonhar que éramos maiores que tudo, que todos. Na busca de um mundo melhor. Eu, tu e ele. Eu, tu e ela. Parecia eterno. Nós e os nossos sentidos, tantas vezes engrandecidos por alterações de estado, sempre na procura de novos picos. Adorava olhar-te enquanto inspiravas o fumo. Gostava de sentir o perfume dos teus seios. A tua face com a barba por fazer que desafiava as feições efeminadas fazia-me fluir o sangue. Que aconteceu? Onde nos perdemos? Ou será que fui só eu? Afinal resto apenas eu... Estão a menos de um metro de mim, mas não estou aqui. O começo... lembro-me... a música vibrava-me pelo corpo apagando a realidade. Havia imensa gente, mas não via ninguém. Ela beijou-te e depois virou-se para mim. Beijou-me também. Puxou-te novamente para ela enquanto se colocava entre nós. Os seus movimentos pediam que a envolvêssemos. A proximidade levou ao toque dos nossos lábios que se desejavam. Ela gostou. A música continuou e nós também. Nada interessava. O suor era dos três, a pele não se distinguia, mesmo com diferentes tons. A roupa subia e descia numa provocação constante. Nesse dia fomos interrompidos, mas não teve importância; foi apenas o princípio. A partir dali a mudança não tinha regresso. Vivíamos numa adrenalina constante. Daí derive a ressaca. Vocês continuam. Eu fiquei apenas com as memórias, a única coisa que me faz viver. Por isso mantenho-me aqui. Fecho os olhos desejando que continuem toda a noite. Deixo-me ir e vejo-vos novamente junto a mim. Só aqui me sinto bem.
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