terça-feira, maio 29, 2007

Control freak

Ela lutou para manter o controlo. Nunca se libertou da raiva que a dominava. Nunca se deixou levar pelo que via. O ódio simplesmente acumulou. Vedada desde cedo aos objectos do seu desejo sem nada que ensinasse o domínio de toda a sua ânsia. Mas o que nos perturba está sempre à esquina. Só é necessário o azar de nos cruzarmos com ele. A liberdade tem a constante vontade de sair à rua. Um dia acordou sem que o soubesse. A consciência manteve-se adormecida. Quem sabe, porque ela o queria? Nesse dia não houve nada que não fizesse. Agrediu a rapariga que lhe tentou impingir coisas sem interesse na rua. Insultou o velho que a olhou com um ar desejo. Bebeu duas aguardentes com um café e saiu sem pagar. Discutiu longamente com duas testemunhas de Jeová até as convencer que Deus não existia (ela era demasiado inteligente para seu mal e a eles faltava-lhes muita coisa). Foi até ao trabalho, ao qual chegou atrasada. Atirou café a escaldar à cara do patrão e saiu antes que alguém lhe dissesse fosse o que fosse. Juntou-se a um mendigo a pedir esmola. Sentiu-se desprezada a par do mendigo e por isso atirou com toda a força moedas a quem passava sem lhes dar nada. Depois passou por um homem estátua, a quem gritou desalmadamente aos ouvidos, até que ele reagisse. Quando chegou à fila para o autocarro passou descaradamente à frente de todos os que ali estavam. Algumas pessoas reclamaram, mas o seu ar de alguém louco impedi-os de levantarem muito a voz. Sentou-se no lugar para grávidas e idosos e nunca se levantou para quem quer que fosse. Tocou a todas as campainhas que apanhou no caminho para casa. Com tinta branca escreveu na porta da vizinha “puta”, quando esta estava mais uma vez a discutir com o amante do momento. Por fim foi deitar-se. Sentia-se exausta. Houve quem achasse que ela só queria atenção, que precisava de ajuda, mas ela simplesmente quis viver tudo o que lhe passava ao lado, mesmo que isso a impedisse de viver no dia seguinte. A ajuda que ela precisava já há muito tinha passado de validade. A atitude não passou de um remedeio. Por uma noite ela achou que tinha feito algo de importante. Algo que não seria indiferente aos outros. Algo que a fazia acordar do longo sono que tinha sido a sua vida. Só que tudo isso na sua mente, porque a crua realidade terá sempre consequências.

terça-feira, maio 22, 2007

People talk, I can’t hear them. It’s not the sounds that don’t reach me, it’s the words that my brain can’t understand, the code which I’m unable to unscramble. I’ve known the language all my life, but I can’t focus. Obsession may be what troubles me. It’s just one voice I can truly hear, though I can’t be sure if even that one I get the meaning. Obsession has that problem, reality may become something which it’s not. It wouldn’t be my first time suffering from that decease. I hope I’m not sick again. The thing is I know I am. The music is playing again and again. I feel in a kind of catatonia state. Nothing really matters, because the world doesn’t has much sense without your words.

quarta-feira, maio 16, 2007

Mais importante que as palavras foi sempre o silêncio.

Fim da pausa?

As Memórias do Nunca chegaram ao fim. Depois de ter deixado de escrevê-las passei aos textos que mais tarde vieram a dar origem a este blog.

Por me estar a dedicar a outras coisas os textos vão continuar a aparecer, mas mais esporadicamente.

Fiquem bem.

quinta-feira, maio 10, 2007

Memórias do Nunca - Parte 13

Respirar

Movo o diafragma numa tentativa de continuar... não sei bem o quê... não sei bem quem... o peito move-se... mas o coração parece ter parado... inspiro mas o meu corpo recusa-se a respirar... sinto o pulsar nas têmporas... o relógio a cessar o movimento... expiro... expiro... nada sai... expiro... apenas o fumo me apodrece num delicioso morrer... o ventre volta a elevar-se esquecendo de me avisar... ar... só preciso de ar... mas os fluidos negros continuam a entrar... aqui esquece... esquece... questiona... pergunta... interroga.... uma e outra vez nestas raras vezes que no vemos... onde tens andado?... volto a expelir o que lá está... estaco com o vazio ali preso... como sabe bem não ter nada ali... como gosto de parar o mundo... não é mais que isso... é o assim mesmo... sem qualquer movimento... matéria em decomposição para êxtase do paciente... vulgar e obsessivo neste lento salto para o precipício onde a pedra jaz... enquanto caio abro as válvulas do meu ser... tenho esperança do combustível simplesmente entrar... como se flutuasse sem me ver por aí... quero... AR!... submissão sem dono de quem manda... tudo para ti... sem mim... escravidão da existência negada por homens há muito mortos... sonhos de quem marcha ao descobrir o que reina aqui... continuo a insistir... esmurro o peito... AR! AR!... outra pancada seca... AR! AR! AR!.... AR! AR! AR!... o coração começa a bater... AR!... a luz entra novamente... o estrondo vindo do interior... bate novamente e atormenta-me... não consigo descansar... expiro... inspiro... expiro... inspiro... o tempo segue o seu percurso... as formas ganham vida... os membros acordam... cego da intensidade criada... morre! Morre mais uma vez... para que queres tu estar aqui?... expira! Expira sem fim... deixa tudo! Pára de caminhar... para quê?... uma e outra vez tentas a tua morte... eu tornei-me em ti... tu és o que eu sou... EXPIRA! Liberta a morte que vivi em mim... não... não me obedece... inspiro... expiro... inspiro... expiro... inspiro... expiro e continuo a morrer ao ritmo da eternidade do Universo que sente os ciclos de todas as suas estrelas.... inspiro... expiro... inspiro... expiro... e tudo continua para sempre assim...

domingo, maio 06, 2007

Memórias do Nunca - Parte 12

Mais um travo

O que passa por mim não é nada de mais. O que vejo aqui não é nada de mais. O que ouço à minha volta não é nada de mais. O que sinto não é nada de mais... nada de nada. Repousa aqui algures a alegria de estar vivo. Mas quem sou eu para me lembrar... Quero? Acho que não. Acho e nada mais. Por estar novamente a recordar. Por viver intensamente a morte que me visita ocasionalmente. Em sonhos... por vezes acordado. Só para me lembrar do que nunca fui e nunca virei a ser. O projecto que não criei e queria apagado. Como que odeio. Mas não chega?... one more try... mas isso é importante? Que se fodam todos e tudo. Não quero saber do que virá. Não quero saber o que está. Estou frio perante as suas vozes que tentam invadir o meu espaço esquecido. Ardor do rasgo que se encontra na carne... mais uma mentira e quem se importa? Um momento esquecido por quem lá esteve não é mais que um passo de quem não consegue caminhar. Hoje é dia de ver o tempo a passar, sem ninguém, sem ver, sem ouvir, sem sentir. Travo bem fundo o doce olhar que me consome e chego até lá. Próximo de ti. Como se nunca daí tivesse saído a dor do meu mundo. Olhos sem lágrimas que me odeiam por odiar, que me tentam trazer de volta ao que foi enterrado. Mas isso é impossível... fica apenas a ansiedade do combate contra mim mesmo. A obsessão de ser o inalcançável. De escolher a opção que não existe. Morte, Deus e vida... Deus sem vida. E morte para todos nós. Sinto o trago amargo a deslizar-me nas veias e esqueço-me de ti. Esqueço-me de que gostei de estar junto a ti, de sentir o teu cheiro, de te amar. Nada de mais, afinal para que interessa isso. The one is lost somewhere in the cold vast space and he won’t ever be found...

sexta-feira, maio 04, 2007

Memórias do Nunca - Parte 11

Não termina

Outra vez aqui a olhar para as minhas mãos desejando que o choro me corra pela face. Mas apenas o desejo se mantém... Nada mais que isso. Numa tensão crescente de quem não encontra paz nem vê a sua solução. O final premeditado já há muito que deixou de ser opção, por isso apenas a continuação do que está para ser pode existir. Não queria um novo amor, nunca o desejei, mas o meu corpo continua a comandar e a entrega da minha alma acabou por trazer-me novamente a este ponto. Não queria mas estou novamente aqui. Quero a minha visão turva pelo choro, o corpo com espasmos de tristeza de quem não existe, os músculos com dores de consecutivas contracções, a mente caída num vazio trazido por um acto de libertação. Quero deixar de escrever por necessidade... isto não passa de terapia para a doença da solidão. Outra vida que passa por mim, num acumular de gente que viverá para sempre comigo. Infelizmente continua tudo sem sentido... já percebi... desculpa incomodar-te. Não quero outro dia assim. Não vale a pena sentir novamente. Está a tornar-se numa rotina que não sei até quando vou suportar. Choro, é tudo o que desejo agora. Nem sei o que sinto. Apenas tenho esse desejo... água salgada sem fim a sair de mim, convulsões e esquecimento. Como odeio tudo isto! Como me sinto estranho numa terra de gente normal. Só mais uma vez... acho que aguento... porque não, é apenas mais uma. A rotina traz o hábito de deixarmos de ser nós para nos tornarmos no que temos de ser. Uma droga de alienação do que é realmente a vida. A vida que odeio... a rotina que não suporto... o encontro com as pessoas que, por mais que queira, não consigo perceber. Por isso, tanto as detestei... agora acho que simplesmente me conformei em não esperar nada de mais delas. Mas a mudança traz-me de volta a mim, ao mundo que tenho dentro de mim. Quero chorar... só quero chorar... nada mais que isso... só mais uma vez, quero chorar porque me apetece chorar...