terça-feira, novembro 21, 2006

Estou sentado. O lugar é comum. Mais um bar, mais um sítio igual a tantos outros. As mesmas pessoas, rostos diferentes. A empregada engraçada, mas não deslumbrante, que parece ter dificuldade em articular frases e tem ar de infeliz. O cliente habitual que se ri por tudo e por nada a parecer querer simular boa disposição. Os que têm conversas completamente insípidas, ocupam espaço e respiram o ar dos outros. O casal que não fala e apenas observa o que se passa à sua volta. As duas amigas que conversam sobre o mais banal acontecimento como se do fim do mundo se tratasse. Fazem parte do cenário. Não existem. Apenas estão ali a compor o sítio como uma peça de mobiliário. Todos estão vazios. A cerveja chega ao fim. Acendo mais um cigarro. A televisão debita imagens e som das quais a minha mente faz o favor de ignorar o sentido. A empregada aproxima-se. Num gesto mecânico peço mais uma. Ela retribui com um sorriso forçado. Já perdi a conta do que bebi, mas o dragão continua a sussurrar. As suas palavras são as únicas perceptíveis. Não o consigo apagar. Entram duas pessoas. Sentam-se uma à minha esquerda e outra à minha direita. A empregada trás-me a cerveja. Ignora-os. Olho-os. Não têm rosto, mas observam-me. É o dragão quem o diz. Tiram os chapéus e pousam-os no balcão. Estão à minha espera. O dragão não mente. Pego num bloco e preparo-me para escrever. Seguro a caneta na mão direita juntamente com o cigarro. Bebo mais um gole. Olho para o papel em branco. Para quê? Pergunta-me ele. Tem razão... Bebo o resto de uma só vez. O corpo tenta rejeitar a bebida com um impulso de vómito. Seguro-a dentro e empurro o resto. Deixo cair o copo no chão. Parte-se e subitamente a mobília apercebe-se que estou ali. Sente-se incomodada pela quebra de ordem. Os homens sem rosto põem os chapéus de novo. O da direita entrega uma nota à empregada, que fala sem que entenda uma palavra. Ela continua a ignorá-los. Pegam-me nos braços. Estou incapaz de caminhar só. O ar da rua sabe bem. Quero ficar ali deitado, mas obrigam-me a arrastar os pés. Entro num carro. Não há condutor. Os dois sentam-se comigo na parte de trás. Os meus olhos estão pesados. O dragão está com medo. A minha cabeça cai. Vejo uma mão a entrar no meu abdómen. Estranhamente não sinto dor, mas o dragão grita. A inconsciência está a caminho. Amanhã vai estar tudo bem...

sábado, novembro 18, 2006

Sentes a brisa vazia. O Sol frio que te queima a pele. Passo atrás de passo, perdida num imenso areal que existe apenas no teu distante olhar. As poucas palavras que libertas nada dizem sobre o imenso turbilhão que aí vive. Guarda-lo num secreto prazer do paralelismo do teu universo. Um espaço onde o caos impera sem dar qualquer tipo de limite à desordem dos seus pensamentos. Mas esse turbilhão é a única coisa que te liga à paz, porque ele não se repete naquilo que vives. A comunicação com a caixa continua no seu ruído como se outra pessoa o fizesse. Trocam símbolos que por vezes parecem ideias, no entanto tudo não passa de um filme que observas sem que isso te afecte.

sábado, novembro 11, 2006

Uma onda de choque mantém-se em mim. Com início, sem fim. O tempo caminha para longe. A minha vida esvai-se a cada instante numa consciência da sua existência. Num tom áspero sem nunca pedir licença. Quem se lembra do meu exílio em Marte? Quem viveu a minha estadia em Vénus? Parto agora para os confins do espaço na busca de um fim solitário. Porquê? Para quê? E será isso importante? Tudo continua como se não estivesse cá. Um passo atrás do outro crio um bloqueio com propósito único, o fim.

domingo, novembro 05, 2006

Morro pela distância da imagem que me cega. A rede absorve-me. Cada ponto de mim é atingido. Desliza e queima. Arde continuamente, sem nunca esquecer o que o provoca.

sexta-feira, novembro 03, 2006

Estavas sentada. Olhavas através de mim. Ausente. Suportando o mundo da tua realidade, sem forças. Concentrei-me na dilatação das tuas retinas. Afundei-me em ti. Do nada surgiu-me o negro do teu ser. Quente, solitário, amargo, doce, gentil... errante. Onde está tudo o que falta aqui? Sais dali. Caminhas para a casa de banho. A tua cabeça baixa. Que tudo o resto não exista. Sigo-te nos reflexos pálidos da luz dos holofotes. Desapareces. A empregada observa-me. Aproxima-se e segreda-me ao ouvido. As palavras esgotam-se em si. Respondo afirmativamente. Levanto-me e vou atrás de ti. Com um passo lento. Encontro-te a vomitar no lavatório. Toco-te ao de leve nas costas. Ignoras-me. As luzes apagam-se. Respiras fundo e endireitas-te. Estás de frente para o espelho. A Lua não te ilumina a face. Abraço-te. Seguras-me na mão e levas-me contigo para ao pé da janela. Beijas-me pela última vez, intensamente. O teu corpo pressiona o meu. Num rasgo eterno o metal toca-me no cabelo, desliza por ele, entra na pele, estilhaça o crânio e aos poucos leva-me para longe de ti e de mim.