Zero
Chão, tecto, paredes: o cinzento impera neste corredor. É apenas mais do mesmo. Deveria estar cansado, mas não me faz diferença.
- Vamos a andar! Não tenho o dia todo!
Mais um empurrão. Tenta criar movimento nos pés, mas teimam
À esquerda, aproximam-se pequenas janelas. Uma… duas… três… quatro. O dia está coberto. Não por muito tempo. E isso interessa? Paro. O bastão não espera: caio ao chão. As costas pulsam na zona de impacto, mas a dor não vem.
- Mexe-te, caralho! Pensas que só por não largares um pio tens mais direitos que os outros? Para mim é tudo igual! Escumalha de merda, é o que vocês são!
Espero deitado. Só mais uma vez. Faz-me o favor. Sai um chuto na barriga. Contorço-me automaticamente, só isso, como uma máquina. Fecho os olhos e regresso ao seu ventre. Quente, suave, protector. Preferia não o saber. Não precisava de conhecer o outro lado para perceber o que tinha de bom. Não sei porque saí.
- Não vais a bem, vais a mal. Tenho carne fresca à espera, puto. Não a vou perder por tua causa. Tamos no ir.
Sou arrastado pelo guarda. Aos poucos, os pulsos enegrecem e ficam com pequenos rasgos vermelhos. O seu respirar é pesado. Quem será que me veio ver? Todos se esqueceram de mim. Os que se lembram, odeiam-me. Um dia vamos todos morrer. Eu, o guarda, eles, toda a gente. Um dia o último homem vai morrer e não sobrará ninguém sobre a face da Terra. Porque se preocupam tanto? Mais morte, menos morte, será que isso realmente lhes interessa. Não foram os únicos a perder alguém.
Chegamos ao fim do corredor, ponho-me de pé; sem motivos para o fazer. Levanto a cabeça e está ali uma porta amarela. Amarelo vivo. A saia esvoaça e corre para mim. Estou preso. A madeira não liberta a minha perna. Puxo-a e repuxo-a, mas a ganga não rasga. Caio para trás e toco no carril. Metal quente, muito quente. O sal chega-me à boca, arrastado. Grito, pela última vez o seu nome, o único nome que poderia ter para mim. Ela abraça-me, agarra-me e atira-me para longe no último momento. A fúria da locomotiva estilhaçou o meu mundo ali.
A porta abre-se. Uma mesa, duas cadeiras e o meu pai.
- Têm cinco minutos.
É a minha última esperança. Sento-me à sua frente. Olha-me como sempre o conheci.
- Sentado e quieto! – E ficava a vê-lo, com pilhas de papéis, sempre a acumular-se, e uma máquina de calcular a que não dava descanso. E eu?
Não me diz palavra. Os seus olhos não se desviam uma única vez. Odeias-me? E eu? Eu não consigo. Esforço-me, mas nada, não me sai nada. O tempo acaba: o guarda abre a porta e o meu pai cospe-me na cara… mas nada, não chega nada.