O álcool corre-me nas veias. Conduzo... é de noite... bem de noite, dia de semana. Ninguém está na estrada. Estava em casa e quando dei por mim o vento frio que entrava pelo carro batia-me na cara. O fumo do cigarro convida-me em forma de prece. Deixo o carro seguir e absorvo-me nas luzes que iluminam a estrada. This is a midnight ride. The midnight ride. A estrada passa a correr. A listas no alcatrão seguem uma atrás de outra sem fim ou princípio. Desligo a música. Quero focar os meus sentidos. Ponho a cabeça de fora, fecho os olhos durante breves segundos e deixo o vento passar por mim. Contorna-me o coro cabeludo desliza pelo pescoço e após a violência do embate frontal afaga-me ternamente a parte de trás das orelhas. Como sabe bem... Volto para dentro e ligo novamente a música. Hedwig is playing. Alterno o meu humor e sensações com as faixas que vão decorrendo. Estados de adrenalina intensa passam a melancolia seguidos de uma alegria extrema. Vida através dos outros. Não é falsa. Apenas não é minha. É simplesmente outra vivência. Feel them and let them go. Desengato o carro, levanto o pé do acelerador e deixo-o abrandar ao seu ritmo. O ar que entrava frio aumenta aparentemente a sua temperatura. As luzes observam-nos. Atraem-me mas quero estar só. Viro para um sítio sem iluminação. Estou quase parado. Ouço o som das ondas. É diferente no silêncio da noite. Finalmente paro. Desligo o motor. Apago as luzes. Eu, o mar, o céu, todos envolvidos na escuridão possível e numa agradável solidão, pois sei que é passageira. Deito-me no alcatrão e deixo-me envolver no momento. Tenho um sorriso do tamanho do mundo nos lábios. Sabe bem estar vivo. Sabe bem viver.
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