Crio mentiras que me servem. Sou verdadeiro, honesto, puro, doentio, enganador. Sim, fodi-a. Sim, roubei. Lembras-te daquilo que te desapareceu. Sim, tu. Hoje tens-me como não me conheço. Liberto o que está em mim. Revivo pecados esquecidos. O gato que matei sem que ninguém soubesse. A nota que apanhei do mendigo cego quando ninguém estava por perto. A escarradela que pus na comida do meu amigo sem que ele desse conta. As punhetas que bati a pensar na minha mãe. Os peluches que estraguei propositadamente ao meu sobrinho por ter falado alto demais. O papel da minha colega que simplesmente fiz desaparecer, para a obrigar a mais umas horas de trabalho. A minha apatia que fez com que não ajudasse em coisas simples, e a minha curiosidade que avidamente observou o desenrolar dos acontecimentos, como se de actores se tratassem. Mas no fim de tudo a consciência não fica pesada, afinal já temos o diálogo montado. Sim, fui eu que arranquei o coração àquela jovem rapariga, mas só depois de me terem tirado o meu. O mundo é um sítio de merda e de tão merdosos que somos ainda nos desculpamos com a merda que não nos deixa respirar.
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