quinta-feira, março 08, 2007

Estou deitado na banheira, mergulhado em água fria. A caixa de plástico que me acompanha está ao lado. Abro-a. As minhas mãos estão com um ligeiro tremor da ansiedade. Lá dentro um kit para tratar de pequenos cortes, um bisturi e lâminas de barbear. Quero sentir-me fora daqui. Quero anestesiar-me. Procurar o que não está na norma. Sair desta realidade... e no entanto regressar. Qualquer coisa serve e o metal volta à minha carne. Os movimentos dos dedos enrijecem, não posso demorar, mas sabe bem este frio a entranhar-se no corpo. Pego numa das lâminas. Desço-a pela água. Faço um corte longo e pouco profundo no abdómen. A sensação não é muito intensa. Não é uma zona muito sensível. O sangue começa a fluir muito lentamente. É uma visão bela. A água a ficar avermelhada. Na abertura na pele a cor é intensa. Lembra o fumo de um cigarro em tons vermelhos. Fica especialmente belo se não me mover. Por isso fico imóvel a sentir o frio, obcecado com esta visão. Tento mover a mão e esta responde com dificuldade. Comprimo os músculos do corpo para aumentar a temperatura. Levo a lâmina até ao interior das minhas coxas. Abro um corte em cada uma, na direcção do joelho para os genitais. A dor alivia a tensão acumulada. O sangue flui de um modo mais intenso. A água continua a ser tingida. Não me quero separar desta imagem. Uso mais uma vez a lâmina, agora nas costelas num corte por baixo das axilas em direcção às ancas. A dor leva-me a um nirvana de nada. Não quero sair daqui. Crio tensão e descomprimo o corpo, para que o sangue corra. Estou a sentir dificuldades em que me responda. A visão está a ficar nublada. Só tenho tempo de abrir o ralo e ligar a água quente. Apago-me... Acordo e continuo imerso, mas agora em água quente que quase transborda da banheira. Fecho a torneira e deixo-me ficar um pouco. Volto lentamente ao mundo e tudo está mais calmo. Esvazio a banheira e retiro fita suturante do kit. Coloco-a nos cortes depois de me secar e limpar as feridas com gaze e sabão. Seco a lâmina e esterilizo-a. Nestes instantes tudo se foi, tudo se apagou, esqueci, perdi-me e encontrei-me. Queria parar mas a mente quer ser fraca e a carne não se importa... não quero parar, não vou parar. Quero que tudo se foda... Quero que tudo fique por ali. Jogo a minha vida para que ela ganhe interesse e anseio pelo dia em que me hei de ir...

6 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Que bom, "dançar" com a morte "from the outside". Sentir-lhe a espaços (decididos por nós)a face supostamente libertadora e rebelde. Contudo, por vezes ela chega, impetuosa, avassaladora e inevitavelmente fatal; quem estava torna-se presente sobretudo pela ausência, e "saudade" revela-se como termo demasiado ligeiro e banal para verbalizar o enorme buraco que se instala, lancinante, irremediável, e perdidamente. Uma certeza: é definitivo. Ou ainda, quando mais lenta, ela vai chegando devagar, sádica mas certeira,sempre com o mesmo objectivo final, e vamos sendo espectadores do que não pagámos para ver: a destruição progressiva, inevitável de um corpo que se divide contra si mesmo, célula por célula.E neste momento, algo fantástico e terrivelmente absurdo acontece: tornamo-nos no nosso supremo inimigo. Por isso, continua esse movimento de experiência dos limites, da "fuga à normalidade" em ambiente controlado, sobretudo pela sensação de enorme liberdade que experimenta quem ainda pode escolher descer aos infernos, e voltar a recolher-se no acolhedor conforto do seu quarto.
(ATAEGINA)

9/3/07 13:19  
Blogger Fallen19 said...

A ficção e realidade têm fronteiras próximas. A essência deste blog tece-se com essas linhas.

Neste texto não utilizo a morte num sentido rebelde ou libertador, mas como um fim, e sim definitivo, das ausências para quem a experiencia. Portanto um fim e não libertação. Se não há nada depois, a liberdade também não pode lá estar. Até à data, que me lembre, usei a morte sempre de modo muito pessoal e privado longe de qualquer tipo de exibição, por isso não vejo que haja rebeldia, só se for contra o próprio corpo.

Limites... há os que ainda estão por explorar, outros que já passaram o prazo de validade e depois há aqueles que já foram explorados mais do que queria. Por vezes somos mesmo espectadores e nessa altura ficamos à mercê do que nos rodeia.

9/3/07 15:21  
Anonymous Anónimo said...

Genial.........disse..Paulo vilela

10/3/07 21:29  
Anonymous Anónimo said...

por favor ...com tanta desgraça neste mundo ...perdem tempo com estas tretas ...olha e um sanatório...
a publicar textos deste género espero q nenhum teen desesperado t dê ouvidos...
se n queres estar cá corta duma vez...
com malucos nem pro céu...

12/3/07 03:31  
Blogger Fallen19 said...

Realmente sinto uma tristeza profunda porque alguém que luta constantemente para acabar com as desgraças do mundo perdeu tempo a ler os meus textos...

12/3/07 12:57  
Blogger "Su" de said...

Acho que podias pensar em escrever um livro e vende-lo na Anana, no Bairro Alto.Tenho a certeza que ia ter sucesso...escreves de uma forma brutal, mas muito intensa, quase que real.

13/3/07 22:20  

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