Quem és tu?
Parei à sua frente. Madeira pintada, já desgastada pela idade. Fiquei absorvido pela imagem. Estava crucificado, com a cabeça baixa, mas os seus olhos erguidos na direcção dos meus. Senti pavor. Medo de que ele se mexesse a qualquer momento. Tentei afastar-me. A cada passo que dava, caminhava para ele, como se estivesse a guiar-me. Não queria aproximar-me. O suor na minha testa adensou-se, neste esforço para contrariar a hipnose. Formaram-se pequenas gotas que me escorriam pela face. Percebi que não fazia sentido resistir-lhe, e deixei-me ir. Vi a minha mão subir até ao seu peito e entrar no seu corpo. Consegui sentir todas as suas camadas, à medida que o ia atravessando. E no seu interior, vazio. Era este que me chamava, que me queria devorar. Repentinamente, readquiri o controlo: retirei a minha mão do seu interior e dei alguns passos atrás. O meu ódio ateou-lhe fogo. As chamas levantaram-se, mas ao invés de ser destruído, apenas a pintura exterior foi desaparecendo. Primeiro, enegrecendo e, finalmente, fazendo sobressair um estranho brilho. Para meu pesar, a tentativa de aniquilação limitou-se a dar-lhe vida.
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